terça-feira, 8 de novembro de 2016

# Maria




é  tempo o que tenho
minha filha
a oferecer

é tempo o que tenho a entregar
no amor

o coração rancoroso 
vendo o riso correr 
lodoso 
velho ricto dos lobos
o tempo em conta-gotas
minha filha
uma lágrima por segundo
no coração da 
Libéria e da Síria 
em todo o mundo
nas construções precárias,
nas lojas, 
nos sacrifícios da casa 
nos sustentáculos do tempo
Na tentativa e no erro, 
minha filha
assim me aferro à vida 
seguindo ao nível do asfalto
dentro de um carro
ou a pé,  
Procurando o mar, você sabe 
em plena avenida

e os olhos vivos dos mortos
a boca suja de sangue 
vivo
dos mortos?

a palavra quer recomeçar, minha filha
a palavra quer engravidar 

de sonhos
e moinhos de vento


o lugar da memória, de mariana falcão

# dois de novembro



fotografia de frederico kilian
é  tempo o que tenho
minha filha
para te oferecer

é tempo o que tenho a entregar
para o amor

meu coração cheio de rancor
vendo o riso lodoso escorrer das bocas dos boçais
o ricto que resiste à passagem do tempo

o tempo em conta-gotas
continua escorrendo
uma lágrima por segundo
na Libéria, Eritréia,
em todo o mundo

nos tijolos e nas lojas, 
nas ruas,
esquinas,
na faina dura da casa
com seus tentáculos de tempo
na tentativa e no erro
no acerto
procurando no vento
no mangue
na aldeia e no mar
no morro
na roça
na praça

e os olhos vazios dos mortos 
os corpos empilhados
as frontes sujas de sangue

a palavra
quer engravidar
minha filha

a palavra quer engravidar 
de sonhos 
moinhos de vento.


o lugar da memória, de mariana falcão