quinta-feira, 6 de setembro de 2018

# deixar queimar, deixar sangrar

Resultado de imagem para artecidade exposição de 1997 sala dos sapatos
RELAÇÕES IMPRECISAS, claudia hamerski
                                                                                                             
deixar sangrar o país
deixá-lo morrer

goteiras no hospital abandonado
vasos sanitários estourados

a boca do bêbado
o silêncio das moscas

o que é delicado se cala
ocupa gavetas

se enfronha nas conversas diurnas
na ocupação cacete

as chamas se espraiam, o fogo ondeia
o atlântico ocupado em seus projetos milenares

as crianças precisam ocupar espaço, divertir-se
as crianças precisam passear

as crianças precisam - é urgente -
gostar deste mundo

deixar sangrar o país
esfaquear, atirar, cortar

tudo é modo de moer o outro e o medo
tudo é meio de matar no outro a si mesmo

assisitir ao espetáculo do fogo
parado dentro de si

e o risco iminente de romper a platarforma
invadir casas

ocupar cidades

o perigo de sangrar o país


(São Paulo, 06 de setembro de 2018)

sábado, 1 de setembro de 2018

# não são pets

São Paulo de novo ensolarada.

O céu é mesmo indiferente ao que cavamos por aqui,
nossas ruínas.

Sorri com o mesmo sol, medonho, para as vidas imundas e sujas e famintas,
as crianças em zona de guerra,
na fome, em fila de hospitais,
à espera
ou cuspidas para as ruas, enjeitadas,
para fora do comércio
as crianças que atravessam as noites de São Paulo
tossindo, fumando,
sem paz

Mudamos tão pouco e já desistimos de novo
Demos voz às crianças e não as escutamos
Novamente vamos atirá-las a apostilas
Novamente elas se submeterão à indomável febre do progresso
Novamente elas serão apenas etapa de preparação
para o nada
portanto só espera
para o nunca
atravessando as noites de São Paulo
tossindo, fumando
doendo no coração do país

Quando verei o sol
sem esse desconsolo?

(São Paulo, primeiro de setembro de 2018)


(Stockbyte/Stockbyte/Getty Images)