sábado, 20 de abril de 2019

# demita seu poema



Demita seu poema
Ande só
O sol já baixou
Se despeça
Ande distante do vento

Demita seu poema como quem abre mão

Como quem empurra esses dias para fora de casa, desfila-os invertidos na calçada
Arlequinal!

Cada palavra hoje em dia

Parece transpirar
Conspiração
Toda pedra é suspeita
Na prece do dia
A manhã escoiceada na avenida
Vinte e três de maio

Toda prece é do dia

Ao insinuar a chama
Um relógio, um lamento
Ao perseguir as sombras
Do que em nosso país foi passado
Para trás


De uma fruta
Uma arma
Um anel de noivado
Uma flor

Como quem perde a mão
- pois limpá-la é impossível -
no limite da luta
o suor e o combate

por mais um dia
que nasce
entre fumaça e desprezo
café, gás carbônico
cigarros

a cidade e suas chaminés
incinerando sonho e segredo.




# intervalo



Tempo de inapetência
Por favor, conduza-me pela mão
Para além da correnteza
Não me humilhe, sou novo
Me perdi um tanto no voo
E com isso perdi o viço
Mas não quero morrer de tédio
Entre o fosso e o cemitério
E aprendi mais do que isso
Respeito muito o limite da vida
Posso fazer café e servir
Distribuir xícaras na mesa 
Para todos, eu gosto
Chás, águas, frutas, pães 
Ofereço conversas longas
Sim, prefiro a amistosidade de um sorriso
Mas respeito, profundamente,
O uso moderado de palavras
A cada década elas parecem nos trair um pouco mais.

   São Paulo, 20 de abril de 2019