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Les souffrnce du jeune Kafka, de François Schuiten |
Eu sonhei (de verdade) que acordava às quatro da manhã,
metia meias de pares trocados, calçava sapatos, andava de shorts e escovava os
dentes pelas ruas, desviando-me dos transeuntes.
Entrei numa escola, de repente me encontrava em
uma sala de aula, o professor era eu, já sabia, minhas roupas eram outras,
usava paletó, calças, sapatos de cadarços, um dia quente, "Acordei", pensei, e li
o verso do Leminski aos alunos: - "Acordei bemol" - , mas fui
interrompido por minha própria voz, que discordava do poema, lido até o fim: - "sol havia /só não havia sentido." Como assim! - Proclamei: - Mesmo que esse
mundo possa ser chamado um pesadelo, não se pode dizer que não tenha sentido. Tem.
Enfim acordei.
Era cedo, eu tinha ainda algumas horas de sono
pela frente. Pensei:
"Nunca gostei de chamar a noite de dia,
naquela frase que também parece um pesadelo 'Amanhã já é
hoje.'"
Não é.
A noite é ontem.
A noite é enquanto eu estiver dormindo, enquanto
eu não acordar.
Enquanto eu estiver aqui dentro do sonho (que
não, não é de verdade - por que sempre a verdade?)
continuará sendo noite.
# São Paulo, 27 de junho de 2019