quarta-feira, 10 de agosto de 2011

# depois dos trinta e cinco

/Imagem de Man Ray/


Ruas e avenidas desenhando um caos no cérebro. Ah. Ondas de frio e calor revesando-se intensas. É hora de chegar, portas e chaves, alguns trocados. Pouquíssimo tempo de sono.

É infeliz? Come bem, tem roupas quentes para proteger-se do frio. Mas poucas. Algumas ideias para o futuro. Vagas. Às vezes gosta de animá-las, juntá-las sobre a mesa como quem despeja grãos num alguidar. São muitas.

Nem velho nem novo. O que é melhor?

Lembrar é muito bom, principalmente da infância, do que resta dos cacos coloridos, nem todos eles bons.

Também é bom pensar nos doze anos, aquele intervalo azulado, suas tardes chuvosas de verão, as corredeiras da rua servindo de rio ou de água do mar, onde espalhava seus sonhos, e eram tantos.

Para onde eles foram? Estão aqui, acalentados nestas mãos resistentes, duras e velhas desde cedo. Mãos tensas, é verdade. Quem sabe envelhecer não possa afinal afrouxá-las?

Isso é um pedido, o mesmo que ele faz, ao assoprar as velas - "Mais calma, Meu Deus, mais paz, mais tranquilidade, mais alegria" -, ano após ano?

O tempo foi-lhe generoso, deu-lhe amigos, amores, um grande amor, dois: sua mulher e sua filha. E paciência. Principalmente paciência. Com ela pôde aos poucos aprender a aceitar: entre outras coisas, principalmente, aceitar seu tumulto, sem tanto medo.

O tempo deu-lhe também, ele sabe, alegria. Às vezes tem convicção de que ela pode ser imortal - basta bater na tecla certa, basta ajustar o prumo, basta tocar o ponto: e a pele, a carne, os pelos e os cabelos, tudo o que irá padecer pode ganhar nova forma de vida.

Os fios brancos serão um começo, lhe disseram. Os fios no púbis e o buço, depois a barba ele sabe, há mais de quinze anos, que foram começo. Os primeiros fios de cabelo remontam tempos imemoriais. Foi o começo. 

Não sabe se isso é certo. Quando acredita piamente em Deus – e em geral acredita – é-lhe evidente que o começo é indefinível. Nem cabelos, nem palavras é o começo, nem fios novos, brancos ou pretos, que somem e aparecem.
 
Um outro fio indecifrável, talvez, o ligue ao mundo - às vezes pensa -, um friúme, um espasmo, um ardor,  uma voz.

É

# São Paulo, 10 de agosto de 2011

3 comentários:

  1. Só mais duas horas e então os desejos começam e recomeçam.
    Muitas coisas boas para você. Parabéns por mais um ano de muita poesia.

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  2. ah, os cabelos brancos... tenho pintado os meus, mas sei que continuam comigo. tirando isso, vaidade que conquistei com o tempo, não escondo minha idade. afinal de contas é uma conquista mais um ano vivido.
    e parabéns a você

    beijos

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  3. arruma sua mala, afinal ela grande e cheia de coisa boa dentro!

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