segunda-feira, 27 de julho de 2020

# favela

Eu tinha cinco anos de idade e alguns de meus amigos mais queridos moravam em frente à minha casa, em habitação de madeira. Era bonito ver a forma irregular como se juntavam as partes da casa e era algo inacreditável a gentileza com que me recebiam. Certa vez, interrompemos a brincadeira no quintal cercado por pedaços de pau entrançados e fomos lá dentro da casa, na cozinha, que era também a sala, para matar nossa fome. Até hoje me lembro do cardápio: farinha de mandioca com açúcar, que comemos, todos, com gulosa reverência. Toda vez que penso naquela experiência me vem à memória um prazer semelhante ao que experimento ao comer hoje o mais fino prato de restaurante sofisticado.
Saí da casa de meus vizinhos, naquela tarde, acreditando que nada, nada que me fosse servido em nosso lar remediado pudesse ser tão apetitoso.
A ingenuidade sábia da infância não reduziu à pobreza a experiência de dividir com amigos o alimento que eles ofereciam com gentileza e alegria.
A vida adulta raramente permite esse tipo de alteridade.




# São Paulo, 27 de julho de 2020

Nenhum comentário:

Postar um comentário