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Sacerdotisa de Delfos (1891) de John Collier |
aporia e pó
no horizonte da cidade
bomba
fumaça
fogo
inundação
aporia e pólvora
cidades dominadas
por velhas chagas do passado
não excluindo discursos
poemas
e orações
fuzis
chamas
queimando demônios
e fotografias
fogo
cheiro de fogueira e de incêndio
no ar partículas de chumbo
“finalmente”, alguém ri, esfrega as mãos
“finalmente a cidade incendiada”
legiões gritam
acendem tochas
soltam rojões
lançam gasolina nos canteiros da avenida
se inflamam na profanação
da fé
no seu calor
a pura chama inquisidora
ignis purificat animam
a minha alma vai se preservar
se eu queimar a terra
se atear fogo à cidade
se meu espírito for incendiário
se eu for, por minha conta
o próprio fogo
que devora a tudo, a todos
e a mim mesmo
aporia e pó
fuligem
vertigem
miragem
o sonho incendiado da civilização
o solapar do sonho aquecido do sol
a força ígnea amiga do homem
a força da fogueira inaugural
em cujo entorno
contamos
nossas primeira histórias
aporia e pó
e já não sei o que é possível ver
além do horizonte
fuliginoso, plúmbeo
o rancor do dia no azedume
das gargantas secas, dos olhos irritados
o odor constante
de fogueiras
ardendo
pela vizinhança
não só a cidade
em aporia e pó
pelo país inteiro
o planeta
a peste
se espalha
amealhada aos sonhos egoístas
de fazer compras, cuidar dos filhos, ver os jogos olímpicos
cozinhar, sorrir, cantar, sonhar, esquecer
da aporia e do pó
o que sobra
da escola em Jabaliya, norte de Gaza
o que sobra de nós
depois que nos matamos
em aporia e pó
pólvora fogo
palavras sagradas
o puro ódio
da chama pura
# São Paulo, 15 de setembro de 2024
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