Sabe que me alegrei vendo meu time ser campeão três vezes, que em 2022 estive na Paulista para conferir a apuração e comemorar a vitória do Lula, e que tenho clareza de que o martírio do nosso país está longe de ter sido superado com a derrota eleitoral do genocida. Não se faz nada neste país -- como em nenhum lugar do mundo -- sem povo consciente brigando na rua. E temos visto muito pouco disso. Além do quê, a praga bolsonarista, como os outros fenômenos da extrema direita pelo mundo (e são muitos) estão firmes e fortes, para o que der e vier, e o planeta assiste neste exato momento a um dos maiores massacres da história moderna: esse vivido pelos palestinos em Gaza, sob o silêncio cínico da ONU e outras instâncias da nossa chamada "era civilizada". Algumas esperanças com as resistências do Sul Global, com os Brics e o crescimento contínuo da hegemonia chinesa. Algumas esperanças, aqui e ali, mas há o pavor de perceber que o humanitarismo, em nosso tempo, é uma força recalcada e vista praticamente como obsoleta. Que em poucos anos retrocedemos para o início do século XX, quando o fascismo funcionava como botão de emergência do capitalismo em crise e como mão armada contra a esquerda. Repetição, mas não entediante. Angustiante.
Quem me conhece de perto notou que eu fui, aos poucos, desidratando minha fé na educação e na escolarização como horizonte de mudança, constatando, ao fim e ao cabo, que, em sua esmagadora maioria, as escolas particulares (e não só elas) não podem mais ser vistas (não por mim) como espaços de construção de um "novo mundo". Chega a ser até absurdo pensar assim, a não ser que o "novo mundo" seja o Brave New World de Orwell. Daí, em alguns casos, tem até sentido.
Foram praticamente 30 anos dedicados ao ensino particular: como professor, assessor, coordenador de currículo, coordenador de segmento, etc., até que chegou um certo momento em que aquela classe média culta, crítica, preocupada com as questões nacionais e com os direitos humanos... sumiu. Eu achava interessante fazer adolescentes refletirem sobre seus privilégios (e os meus também, claro) para entendermos de que maneira seria possível, pelo esforço de aprender, fazer alguma diferença na realidade injusta, buscando dar, para o mundo imundo, outro rumo. Cabou.
Uma boa forma de sintetizar a situação é a seguinte: no final dos anos 90, quando comecei a docência, era quase consensual defender os direitos humanos. O desafio era lidar com esse conceito, um tanto escorregadio, que a imprensa e o senso comum usavam para acusar as violações praticadas por países socialistas, os movimentos de esquerda e a causa palestina, mas quase nunca para caracterizar as práticas mais típicas dos países ricos capitalistas, tidos como "democracias modernas". O abismo surgiu quando, por volta de 2013, defender os direitos humanos já não era mais consensual: "Direitos humanos para humanos direitos, professor."
O abismo surgiu quando, por volta de 2016, tinha pai levantando a mão em reunião para ironizar a discussão sobre os direitos indígenas: "Índio, gente, no século XXI! Índio já era!" O abismo surgiu quando, por volta de 2018, uma mãe telefonou para a escola exigindo que a expressão "ditadura militar" fosse eliminada das aulas de História do quinto ano. O abismo surgiu quando um pai mandou email reclamando do tema da escravidão: "Criança não tem que ficar pensando em desgraça". E assim a classe média, ou média alta, deixou de ter vergonha de ser quem é. E o serviço do educador passou a ser atender, da forma mais fiel possível, o desejo das famílias, ou, pior ainda: seu projeto ideológico, sua visão de mundo -- que é basicamente continuar enriquecendo e prosperar sem pudor.
O abismo surgiu quando, numa entrevista com a direção da escola, ouvi que ali não era "lugar de vermelhinho" e tive de engolir o cinismo da instituição que se autointitulava, enfaticamente, vygostskyana. A infâmia! Que horror fizeram com o pensamento marxista desse autor, que chegou aqui no Brasil embrulhado pelos americanos com o nome bonitinho de sócio-interacionista. Era comunista. Um dos mais importantes comunistas, cacete!
A pandemia não chega a merecer uma análise específica, pois foi basicamente continuação e aprofundamento desse quadro: as escolas pedindo para os professores se tornarem videomakers em uma semana, algumas famílias insanas preocupadas com as "perdas pedagógicas" já nos primeiros dias da quarentena. "Como você me garante, coordenador, que meu filho não terá lacunas de aprendizagem?" Com alguma coragem, motivada pela indignação, em certo momento respondi com outra pergunta: "Como a senhora acha, mãe, que a humanidade vai conseguir sobreviver a essa catástrofe?" Não quero deixar de mencionar o caso de um escritor. Sujeito notadamente progressista, tanto em seus escritos quanto em suas declarações. O tal, no meio daquela crise, teve a petulância de escrever num grande veículo de comunicação que achava "absurdo" os professores resistirem ao retorno das aulas presenciais... Eu fico pensando como uma pessoa com qualquer senso crítico pode escrever e divulgar uma opinião como essa. Ele não conhece sala de aula? Escola? Criança? O problema dele era que achava uma pena sua cria ficar em casa e perder sociabilidade e aprendizagem. A cria dele? A dele? Apenas a dele? E as crias de todos os professores e professoras e profissionais da educação e de outros setores que precisariam funcionar para que as "aulas normais" da sua cria fossem garantidas? Perdi completamente o respeito que tinha por esse sujeito. Das obras dele já não gostava muito. Mas admirava a postura combativa. Balela: quando fechou o cerco sobre os trabalhadores, não teve pudor de usar sua voz de escritor renomado para "reivindicar" os privilégios de classe, dizendo que professor é gente acomodada. Filho da puta.
Mas vamos voltar ao abismo pedagógico ou educacional. Todas as escolas são bilíngues, todas as escolas têm ensino integral e um currículo diversificado, um modo "customizado" (sugere o setor de marketing) de ensino-aprendizagem. Todas as escolas esperam por um professor que conduza suas aulas de modo dinâmico, mas que, ao mesmo tempo, não reforce a tendência dispersiva a que as novas quinquilharias eletrônicas submetem os aprendizes. Todas as escolas esperam professores youtubers-gamers, mas querem alunos que consigam fazer cálculos complexos e sejam capazes de ler romances longos do século XIX com bom aproveitamento. Todas as escolas esperam que os professores atendam de maneira equânime seus alunos, mas todas hierarquizam as famílias em termos de importância, de participação e até de ingerência nos destinos do ensino que será oferecido, na estrutura do que será a escola, em sua essência até. Todas as escolas têm um único programa: garantir a manutenção dos clientes. Por isso elas não sabem (e nem teriam como saber) se defendem a competição ou a inclusão. Majoritariamente, no frigir dos ovos, é sempre a competição que predomina. As notas. A mensuração de sucesso e de fracasso, independentemente de qualquer outra coisa, é o que legitima a existência de uma instituição de ensino. Nota baixa em avaliações regionais ou nacionais são um escândalo! Índice baixo de aprovação nos vestibulares? Outro escândalo! Mas, por outro lado, não se podem abandonar os clientes cujos filhos não têm exatamente perfil de estudantes competitivos, além de ser ilegal fazer isso. Então entra a questão da inclusão. "Somos rigorosos com excelência acadêmica e também com valores humanitários". É a reza de sempre, quase idêntica inclusive. Todas as escolas esperam que os professores formem cidadãos críticos e razoavelmente cultos, mas fingem ignorar que atendem a um público completamente desinteressado em pensamento crítico e cultura. Fingem ignorar que atendem a um público que só pensa em garantir e expandir seu patrimônio e vê a escolarização (e não a formação) dos seus filhos apenas como a concretização desse projeto. "Educar a gente educa em casa", ouvi muitas vezes, "a escola só ensina". Mas não, eles não educam em casa. E não, as escolas não ensinam. Não aquilo que importa, ou o que importaria para alguém que, como eu, sonhou a educação como possibilidade de construir outro mundo -- palavras velhas, desgastadas.
Uma particularidade interessante que observei, nessa fauna endinheirada e muito cínica, foi uma divisão, nem sempre tão sutil, entre o ponto de vista das mães e o dos pais. Elas, em geral, compravam o discurso mais humanista e acolhedor da escola, valorizavam as artes e as atividades processuais, enquanto eles eram em geral puro conteúdo e resultado. Elas abraçavam as artes, as humanidades, a literatura. Eles, o inglês, a tecnologia e o empreeendedorismo. No contexto das eleições e do governo Bolsonaro essa diferença chegou a assumir a forma de divergência política: os pais eram bolsonaristas, as mulheres não. Elas não falavam nesse assunto. Muitas vezes notei que faziam isso para evitar, nas reuniões com a coordenação, as brigas que deviam ter em casa. Essa situação montou na minha cabeça um panorama social que talvez não valha -- conforme venho verificando -- apenas para aquele microcosmo. Tenho visto muito o roteiro da moça que encontra um sujeito encantador, embora de ideias conservadoras, acreditando-se capaz de amolecê-lo, ou seja, de "adestrar o monstro". Parece a metáfora do que a classe média sempre fez com os fascistas: "A gente consegue amansar ele." É só dar carinho, que o leão vira vegetariano. Com Hitler foi assim. Com Bolsonaro igualzinho. Percebi que, para algumas mulheres, esse processo de adestramento valia quase como uma missão humanitária por meio do amor: o amor como arma capaz de recuperar um demônio ganancioso. E vi, para sorte dessas mulheres, muitos casamentos desfeitos nesse ínterim da história nacional. Pesquisando no Datafolha e Ibope essa tendência se confirma nos dados eleitorais de 2018 e 2022: a maioria dos eleitores do genocida foram homens.
O uso das expressões generalizantes, como "todas as escolas", tem a intenção hiperbólica da linguagem panfletária e do desabafo, mas, convenhamos: as escolas que não se enquadram nesse perfil são exceção e, certamente, raros focos de resistência. Ah, e normalmente, claro: também são escolas pagas, o que, convenhamos, de saída é uma incompatibilidade com a ideia de educação. Se você tem um cliente, você não tem um cidadão. Sabemos disso. Embora haja algum esforço de gente legal e séria por aí, na maioria esmagadora das vezes -- conheço de perto um número grande e diverso de escolas -- a relação é basicamente comercial. Pagou, recebeu. Não recebeu, cobrou. E será atendido. A escola particular é, cada vez mais, o primado do "cliente sempre tem razão". Como poderia ser espaço para construção do novo?
Mas quem me conhece de perto sabe que atribuo essa desidratação também a mim, não só às instituições, às famílias ou aos alunos. Afinal de contas, tem gente que está aí na ativa, dando seu jeito, conseguindo encarar o dia a dia puxado -- seja por talento ou pura necessidade de sobreviver, tentando ver até onde vai conseguir aguentar.
O problema é que a maioria vai mal. Altos índices de adoecimento mental dos professores brasileiros. Segundo pesquisas de 2022 (Instituto Ayrton Senna e USP), foram identificados níveis elevados de estresse e depressão em professores da rede privada com sintomas como: autocobrança, ansiedade de desempenho para atingir as metas de excelência a qualquer preço. As causas: pressão por resultados, cobrança por produtividade digital, baixo índice de reconhecimento profissional, insegurança empregatícia, pouco ou nenhum acesso a apoio psicológico institucional, além do assédio moral frequente e do ambiente altamente competitivo.
Segundo pesquisa da Nova Escola, em 2022, 66% dos professores brasileiros relataram algum tipo de problema emocional ou psicológico na execução de suas tarefas cotidianas. Os principais sintomas: ansiedade, estresse crônico, insônia e depressão.
Um estudo da Fiocruz de 2020 apontou que cerca 60% dos professores sofrem de esgotamento físico e emocional relacionado ao trabalho. Professores estão entre os profissionais que mais se afastam por transtornos mentais, segundo dados do INSS e secretarias de educação. Em alguns estados do Brasil, mais de 30% das licenças médicas na educação estão relacionadas a doenças como depressão, ansiedade ou estresse.
Vivemos num mundo cada vez mais doente. Então se a escola -- de acordo com a minha percepção ao longo do tempo -- não é espaço de resistência ao adoecimento, ela só pode ser (e é, como podemos ver pelos números) mais um sintoma do mundo doente ou, pior, mais uma causa da doença.
Esperança? Não nas escolas. Não nos sistemas de ensino. Não nos investidores.
Até minhas últimas gotas de suor procurei dedicar-me à docência, afinal de contas mudar de rota profissional no meio da vida não é nada simples. Acontece que foi necessário. Adoeci uma, duas, três, quatro, cinco vezes.
Não conseguia mais lecionar sobre os livros da Fuvest, de leitura obrigatória, porque foram escritos por autores comunistas ou por feministas.
Ao longo dos anos, alunos bolsonaristas e também muitos trumpistas foram minando a possibilidade de propor a literatura como experiência de alteridade, de contradição e de complexidade existencial. Para que ler Vidas secas, um livro sobre miseráveis ignorantes, escrito por um autor que foi membro do Partido Comunista? "Professor, você devia ter vergonha de mostrar isso para a gente."
Pois é. Me desidratei. Sequei. Quase morri. Do ponto de vista profissional, literalmente morri. Porque eu era justamente a encarnação de TUDO o que os meus alunos NÃO queriam.
O início da minha carreira docente foi claramente marcada pelo aspecto da "transferência": os alunos viam em mim alguém que sabia coisas que eles queriam saber, alguém que, em algum medida, estava no horizonte de sua existência adulta. Com o tempo ocorreu o contrário: eu envelheci, é claro, mas os alunos envelheceram, animicamente, muito mais do que eu. E eu representava o que eles mais odiavam: a presença desagradável de alguém que involuntariamente, como um espelho, mostrava sua precariedade humana. Os que não gostam de ler, os que não sabem escrever, os que não conseguem se concentrar, os que não gostam de História, os que não conseguem se conter, os que não conseguem conversar, os que não têm tolerância ou paciência ou decência. Eles viam sua própria excrescência. Eu não podia fazer nada.
Assim fui me aproximando dos 50, cada vez afundando mais numa ruína profissional que eu desconhecia, uma ruína que tentei a todo custo evitar, insistindo para além daquilo do que eu deveria. Mas quem tem contas para pagar... Quem tem filhos... Pois fui tentando. Uma hora o corpo, a mente, o ser inteiro que somos cobra suas contas. E nos põe de cama.
Até que a gente aceite, até que a gente entenda, até que a gente reconheça.
Essas palavras são a repetição do que já disse muitas vezes para os que me conhecem de perto e me acompanharam nestes últimos anos. Pessoas que viram, apesar de tudo, minha porta aberta para a literatura e a escrita de modo geral -- minha segunda profissão. A frase do Tchekov soa hoje machista: "A medicina é minha esposa; a literatura, minha amante". Eu tinha um pouco essa relação com a minha dupla função. O problema é que, além do Tchekov ser o Tchekov, claro, eu, no lugar de professor, nunca me senti livre para escrever, nunca consegui abordar os temas mais relevantes para mim, nunca consegui expressar ideias ou evocar situações provavelmente vistas como amedrontadoras para o público que eu, como educador, atendia. Alguns colegas não entendiam: "Deixa disso. Você escreve o que quiser, e ponto". Mentira, nada disso. Nem sobre minha vida como pesquisador de Graciliano Ramos, no mestrado e no doutorado, eu podia comentar. Se em 2015, quando publiquei meu primeiro livro solo de contos (Entulhos, Editora Patuá), tive a possibilidade de reunir, no lançamento, colegas da escola e vários alunos e ex-alunos queridíssimos, com quem pude comemorar aquele momento tão importante, já em 2017 eu não podia nem ter rede social. Quando Lula foi preso, no ano seguinte, criei um perfil falso no Facebook para poder postar alguma coisa. Em 2024, quando estava para lançar meu primeiro livro solo de poemas (Noite alta, Editora Desconcertos), uma aluna ficou sabendo e veio falar comigo: que queria comprar, que queria ir ao lançamento. Eu fiz de tudo para evitar que isso acontecesse -- eu seria exposto a um esgoto humano inquisitorial com minhas ruminações, subversões e indecências. Seria inviável dar aulas. Ou seja, nunca foi simples para mim viver o tal duplo papel tchekoviano. Um professor nunca pode ser a pessoa que ele é. Nem na ficção. Nem num país supostamente democrático.
Uma vez que me retirei desse universo escolar, há alguns meses, a situação mudou radicalmente. Pretendo escrever todos os meus demônios, colocá-los a dançar; escancará-los, em toda sua sujeira, para quem quiser ver. E mesmo que ninguém queira ver, o importante está dado: eu posso mostrar. Afinal, sempre escrevi para mim mesmo.
Evidentemente, a vida familiar e a social também podem ser elementos de restrição -- também podem funcionar como um cala-a-boca para a escrita. Mas neste caso, as opiniões, os horrores que eu possa causar não vão comprometer minha sobrevivência. E aposto que um dia todos os meus pseudônimos terão a forma do meu nome. Meu nome próprio.
Estou, por ora, cercado de ideias para uma nova carreira; exatamente o que eu queria evitar: começar uma nova carreira. Mas o corpo, a mente -- o ser inteiro que sou -- estão pedindo isso. Posso até dar aula como autônomo, claro. Escolher temas do meu interesse e ver se capturo algum público. Isso verei com o tempo. No momento, estou pensando essa minha segunda parte da vida (como a venho definindo) como revisor de textos, profissional de editoração, pesquisador e autor dos meus próprios textos: contos, poemas, romances, crônicas, ensaios, postagens. Manifestações de opiniões políticas que estejam livres do policiamento do sistema escolar. Manifestações de ideias que não deponham contra minha "reputação profissional", mas que, talvez até pelo contrário: me libertem e me deixem escrever o que eu sempre quis escrever, dizer o que sempre gostei de dizer. Foi, aliás, com esse sentimento de liberdade individual, foi com essa potência que comecei a minha vida de educador. Não sei se terei sucesso, não pretendo viver 100 anos -- acho isso uma abominação --, quero apenas voltar a sentir o gosto de uma qualidade muito minha que a profissão de educador, aos poucos, quase me roubou: a autenticidade.
Mentir para sobreviver? Só na literatura. Que vela tudo o que revela. E que revela tudo o que vela.
Bragança Paulista, 11 de agosto de 2025.