eu escrevo como quem arrasta o dia até a morte
como quem leva a agonia pelos cabelos
para o sumidouro
como quem ouve tubulações fios arrepiados (o amor,
a cidade assanhada debaixo da saia)
eco contido no túnel
grito chuvisco pardais púbis
cada pessoa se oblíqua no abismo mais sutil
cada pensamento é uma nova ida ao poço do ressentimento
tomar cafezinho, pentear-se, ver o sol, quando há
eu escrevo como com quem arrasta a cidade nas costas
seus relinchares, seus ares
eu resfolego a cidade na escrita pelas pontas dos dedos
e aqui - mais no Centro - me sinto, me sento como Mário de Andrade escrevendo
eu escrevo como quem sempre escreve, sobre escritores,
Piva, Kolyniak, Del Candeias
sobre uma cidade vertiginosa
dentro dela
exatamente no seu centro
eu escrevo como qualquer pessoa que precisa sentar e dizer algumas coisas
como uma pessoa que precisa acender um cigarro
ou atravessar um rio
sabe-se lá
tudo é oco
(quando escrevo)
e eu escrevo principalmente para não deixar de escrever
e, mais ainda, para não deixar de ler
a única tarefa digna
e há quem odeie a realidade virtual
e quem a endeuse
e continuamos - apesar do purismo
ou principalmente
por culpa dele -
a escrever
eu escrevo para não terminar de escrever, para não deixar que morra esta noite, este resto de voz
rouca
que canta
eu escrevo porque a vida é um punhal
# São Paulo, 19 de agosto de 2019
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